domingo, dezembro 28, 2008

(...) Olham-se, mas não se vêem. A escuridão não é uma parede, mas o silêncio os imobiliza na busca da palavra maior. Os dois fumam. As pontas acesas desvendam o escuro, e por instantes colocam um brilho avermelhado nas pupilas de ambos. Perguntou se eu queria ouvir música. Não, eu disse sem pensar. Então ele calou como se tivesse ficado ofendido por eu recusar alguma coisa sua. Desconhecidos: como isso é, a um só tempo, terrivelmente bom e terrivelmente assustador. Pensar que eu estava só, no bar, esperando nem sei que, nem sei sequer se esperando: de repente os olhos me buscando no balcão em frente. No primeiro momento foi a única coisa que percebi. Os olhos, atrás da fumaça, no meio das gentes. E o espelho refletindo o meu espanto. Depois vi os cabelos, a boca, os ombros. Mas era nos olhos, só nos olhos, que se fixava aquele mudo apelo, aquele grito. Nem sei. Aquela clara maldição.

Saí, saiu. Não dissemos nada. Eu só tenho esperas. Ele traz a tranqüilidade de mais nada esperar. Um menino. Aquele ar espantado. Um pouco trêmulo. Cigarro atrás de cigarro. Tenho medo de tocá-lo. De quebrá-lo.

Eu disse: "A lua está tão bonita que dói por dentro". Ele não entendeu. É tudo tão bonito que me dói e me pesa. Fico pensando que nunca mais vai se repetir, é só uma vez, a única, e vai me magoar sempre. Não sei, não quero pensar. Neste espaço branco de madrugada e lua cheia, preciso falar, e mais do que falar, preciso dizer. Mas as palavras não dizem tudo, não dizem nada. O momento me esmaga por dentro. O espanto esbarra em paredes pedindo exteriorização.Você vê? As pedras parecem luas também. Ou estrelas, ele diz. Chão de estrelas. Vamos pisar nos astros distraídos? Ele ri. Nesse segundo cheio de riso alguma coisa se adensa. Nossos pés pisam em pedras. Mas por cima dos sapatos, sinto que são frias e duras, e sei que seu significado está em nós, não nelas.

(...)

Então ele me olha sério, por um instante abalado, depois ri. Positivamente o cinismo não fica bem em você. Um menino assustado querendo mascarar o medo com a agressividade. Um menino. Curvo-me para ele. O rosto dele próximo do meu. Mais adivinho do que vejo os seus olhos deslizando pelas órbitas. A sua mão toca no meu ombro, sobe pelo pescoço, me alcança a face, brinca com a orelha, alcança os cabelos. O seu corpo cola-se ao meu. A sua boca vem baixando devagar, vencendo barreiras, colando-se à minha, de leve, tão de leve que receio um movimento, um suspiro, um gesto, mesmo um pensamento. Estou em branco como a noite. Ele me abraça. Ele está perto. Ergue o braço lentamente, afunda as mãos nos cabelos de outro. E de súbito um vento mais frio os faz encolherem-se juntos, unidos no mesmo abraço, na mesma espera desfeita, no mesmo medo. Na mesma margem.

( Meio Silêncio - Caio Fernando)


E eu começo, séria-e-assustadoramente, a desconfiar que Caio só escrevia na presença de uma bola de cristal focada na minha vidinha-sacana.

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