domingo, setembro 19, 2010

O time dos anarquistas: 100 anos de ódio e resistência



Há exatos 100 anos, um grupo de operários do bairro do Bom Retiro, em São Paulo, praticou um ato de “desobediência civil”.

À luz de um lampião, na rua, os insurretos decidiram criar um time de futebol do povo e para o povo. Atrevidos, decidiram que a nova agremiação não deveria se contentar com a várzea.

O plano era formar um esquadrão para enfrentar, de igual para igual, os clubes da fechada elite paulistana.
Ousados, já meteram a mão em foices para abrir uma cancha num terreno baldio, pertencente a um lenheiro do bairro. E, no primeiro jogo, contra o União Lapa, saíram em passeata até o palco da contenda.

Mas como passeata? Passeata, sim senhor, porque essa gente era sobretudo anarquista, com a graça do bom Deus.

O primeiro presidente do clube, o ítalo-brasileiro Miguel Battaglia, por exemplo, tivera contanto com o anarcossindicalismo ao prestar serviços para a Light.
É dele a frase cândida, mas também desafiadora, que guia a nação alvinegra até hoje: “Este é o time do povo, e é o povo que vai fazer o time”.

Essa turminha do barulho lia o jornal anarquista de Gigi Damiani, o La Battaglia, que exortava os trabalhadores a fundarem suas próprias escolas e agremiações esportivas.

O time dos anarquistas não tinha bagunça. Cada um sabia das suas atribuições. Cada um assumia uma responsabilidade, conforme o que se aprendera de Bakunin e Malatesta.

E assim se estruturou. Em 1913, os meninos bons de bola conquistam o direito de participar da divisão principal do futebol paulista.

Ao mesmo tempo, o Paulistano e a A. A. das Palmeiras (nada a ver com o atual Palmeiras), enojados do cheiro do povo, se retiraram da liga e resolveram disputar um torneio paralelo.

Começava ali uma história de ódio.

A imprensa questionava a presença de um time de iletrados no mundo do chiquérrimo futebol, um jogo inventando por lordes ingleses.

Quanta petulância!

E para acirrar ainda mais os ânimos, o time dos anarquistas admitia gente de todos os tipos. Logo agregava os negros, os mulatos, os caboclos e outros filhos da terra.
Mais um pouco e atraía também os outros segregados, polacos, libaneses, alemães, sírios, japoneses e gregos, gente que somente se entendia na alegria de torcer pelo Corinthians.

Imaginem o escândalo: um time de anarquistas, pretos, imigrantes e boêmios invadindo as elegantes festas do Velódromo.

Se o Corinthians ainda existe é por conta da brava resistência ao preconceito.

Tudo lhe foi sempre negado ou dificultado.

A mídia paulistana, sutilmente, construiu um estereótipo desabonador do corinthiano: é o ladrão, favelado, sem modos, sujo e vagabundo.

E mesmo criminalizado o Corinthians sobreviveu, e se fortaleceu.

E fortaleceu-se por qual motivo? Justamente porque sempre se cria um espírito de resistência solidária entre os oprimidos, ofendidos e injustiçados.

Passaram-se 100 anos, e nada mudou.

O Corinthians continua sendo alvo preferencial da mídia monopolista.

Se o grande São Paulo Futebol Clube recebe um financiamento do BNDES não há nada de errado. É a ordem natural das coisas.

Ora, mas se o banco vai financiar a “pretalhada”, os “gambás”, aí é uma vergonha.

Se a ordem é investir dinheiro público no rico bairro do Morumbi, a imprensa sorri de orelha a orelha. Mas se a grana toma o rumo de Itaquera, na esfolada Zona Leste, já vira um caso de polícia. Estadão, Folha, Abril, Globo, ESPN, entre outras organizações midiáticas aproveitaram para criminalizar mais uma vez a paixão de Lula pelo time do povo. Está aí um prato cheio para colunistas políticos travestidos de colunistas esportivos: juntou o time dos anarquistas, do populacho, com o operário nordestino que se meteu a ser presidente… Ai, não dá, né? Ainda mais quando ambos, o time e o presidente apresentam atributos que encantam o povo e, logicamente, o eleitorado.

Aqui, no Brás, os fogos espoucaram durante toda a madrugada. Subiam dos quintais de cortiços, das janelas de apartamentos minúsculos, de ruelas esquecidas e escuras, dos lugares onde o povo do Brasil ainda resiste, invisivelmente.

Ahhh… Quanto ódio por você, meu Corinthians, mas quão grande é sua amorosa resistência! Parabéns pra você!


(Mauro Carrara)















Leiam.

sábado, setembro 18, 2010

Faz tempo, né?



Só pra lembrar do ontem, do hoje e do amanhã,


















Agora encaixou, já era. Agora não tem mais essa de "ele é meio estranho, ela é mega esquisita".
Agora não tem mais jeito. Agora quero ver alguém chegar e dizer que não pode, que não dá certo. Daqui pra frente, querido, é café com pão e banho quente.

"Tem uma toalha?"

Tem, meu amor, tem até uma toalha.


D'Umbra

segunda-feira, setembro 13, 2010

O mau humor é o melhor antídoto que existe. Nada como tomar o café da manhã com uma mulher irritada, ser passageiro de um motorista que vive reclamando do trânsito, conversar com um carrancudo que destila ódio para a classe política. São companhias estimulantes, afrodisíacas. Além de tudo, bem informadas. O pessimista é uma enciclopédia vendida de porta em porta. O otimista é que não lê jornal.

O otimista é frouxo, repete as mesmas frases evasivas e genéricas como “precisa acreditar” ou “tenha esperança”. O pessimista é pessoal, persuasivo, abrirá seus segredos com desembaraço. O otimista rende somente auto-ajuda. O pessimista proporciona alta literatura.

Guardo deslumbramento auditivo diante das pessoas que não respondem tudo bem no cumprimento. Enchem as vogais para declarar “tudo péssimo”. Puxo a cadeira mais próxima e me sento com reverência porque percebo que descobri um corajoso no mundo, que vai se confessar com absoluta sinceridade, que tem vida própria e casa alugada.

O azedume é a inteligência em estado bruto. Aplaudo a loquacidade da tristeza. Desespero quando não fala é fatal. Desespero que esperneia é manso. Nunca fui de brigar, por exemplo, mas de espernear. Queria ser segurado pelos colegas antes de apanhar. Minha honra fez teatro na escola.

O mau humor do outro me deixa eufórico. Recebo uma sensação de paz que encontrei uma vez, ao soltar folhas de livro inédito no Rio Sena, apesar de não ter estado em Paris.

Do veneno alheio, surgirá sabedoria, ensinamento, conselhos. Quase uma aula de ecologia sentimental.

Orgulho-me desse humor muito brasileiro, incomparável. Daquele cara que deu tudo errado e ainda está achando graça. Sofreu enchente, deslizamento, seca, foi corneado e não se entrega. Não fechará o negócio, a cara, a amizade. É o que não tem motivos para rir e está rindo. Seu riso é perigoso. Seu riso é ofensivo. Seu riso é o caráter do pulmão.

Não confio em sujeito com felicidade de sobra. Será avarento e indiferente. Quem tem esconde. Unicamente peço dinheiro emprestado ao amigo que já faliu. É um pré-requisito que não costuma falhar.

Eu me interesso pela falta de explicação da alegria. Viva o humor do fodido. É o único que sobrevive às tragédias. Não ficará traumatizado, arrumará uma piada no acidente. Não ficará encastelado no quarto, pagará uma rodada ao pessoal do balcão.

A desgraça o torna generoso. Repentinamente natalino.

Meus grandes amigos estão cansados de recados, cada dia é um ultimato. Odeiam quando a atendente pergunta de onde são. Têm rancor por essa mania de rodoviária que atinge a maior parte das secretárias.

Meus grandes amigos são mórbidos. Compraram o jazigo na juventude. Os que pensam na morte cedo demoram a morrer. Preparam-se com tanta antecedência que perdem a hora.

Posso garantir, todo santo estava acabado aos 40 anos.



Carpinejar.


Cada vez mais sou convencida pelos meus amigos que o meu mau humor e pessimismo é cômico.

Mega apropriado.